segunda-feira, 1 de agosto de 2011

AS DUAS ARQUITETURAS

Acho que não existe dúvida que há décadas vivemos sob o regime de duas arquiteturas.
A primeira representa o mercado imobiliário e as mostras de decoração, resulta do pobre ambiente cultural em que vivemos e da predominância do ter pelo ser.
A segunda representa o meio acadêmico, o pensamento e a pesquisa, a arquitetura conceitual, sem concessão aos modismos, e não necessariamente globalizada.

Quanto aos profissionais, podemos dividi-los em quatro grupos:

• Os totalmente comprometidos com a moda da vez, atualmente, com o neo-neo clássico.
• Os que fazem aquilo que lhes for pedido, seja neo-neo clássico, seja qualquer coisa. Podemos considerar estes até piores, pois os primeiros declaram solenemente que não estão preocupados com o debate, até defendem a “estética do luxo”.
• Os que tentam trilhar o caminho da arquitetura de conceito, mas num momento de desespero, acabam cedendo.
• Os radicais, combatentes, estóicos, que assistem incrédulos a transformação do meio urbano numa colcha de retalhos, da pior qualidade.

Acho que fica claro, para quem me conhece, que faço parte do quarto grupo. Afinal, arquitetura para mim não é simplesmente a profissão que escolhi, e sim uma declaração de princípios pelos quais conduzi minha vida.

Quanto ao neo-neo clássico, não quero me aprofundar sobre suas origens, nem centralizar a culpa, mas não há dúvida que poucas pessoas fizeram tão mal à arquitetura brasileira do que Adolpho Lindenberg. Nos primeiros anos de sua empresa, comercializou casas em estilo colonial e posteriormente, lançou os primeiros edifícios “de grife”.

Tristemente para nós paulistas, esse é um fenômeno regional, ou melhor, metropolitano, ou melhor, paulistano. Até o ano passado visitava o Rio de Janeiro com freqüência, e não me lembro de ter visto um único exemplar de neo-neo classicismo. Mas, se por um lado, os cariocas gozam das investidas estatais e da Fundação Roberto Marinho, tais como Cidade da Música, Museu da Imagem e do Som e Museu do Amanhã, tem que aturar as barbaridades pós-pós modernas construídas na Barra da Tijuca. Sobre a atuação de arquitetos estrangeiros, podemos até perder alguns projetos, mas é muito bom ter edifícios de Portzamparc, Diller Scofidio+Renfro, Calatrava e Herzog & De Meuron em nossa terra.

De qualquer forma, não é preciso que Patrick Schumacher venha ao Brasil nos alertar que estamos perdendo o bonde da história, sabemos disso, e nos entristecemos com isso. Nosso atraso tecnológico, a falta de recursos, a impermeabilidade dos empreendedores e clientes e a “prostituição” de grande parte dos profissionais, nos deixa em segundo plano no cenário mundial. Se não fosse por Niemeyer e mais recentemente Paulo Mendes da Rocha, estaríamos confinados ao submundo da arquitetura.

Quanto ao design de interiores, a mídia especializada e as mostras colaboram decisivamente para a perpetuação desse estado de coisas, pois, salvo raríssimas exceções, não passam de passarelas destinadas ao desfile de profissionais especificadores, desprovidos de qualquer discurso de projeto.

No meu ponto de vista, a única forma de mudar essa situação é exercer ferrenhamente nosso papel de formadores de opinião. Todos têm medo daquilo que não conhecem, e preferem apostar no que vem dando certo (ou vendendo). É necessário provar aos empreendedores que os lucros não seriam afetados, e à maioria das pessoas comuns, que existem formas diferentes de viver e trabalhar, em ambientes projetados através de novas estéticas.

Vou além, acho que se trata de algo maior, como uma revolução cultural e comportamental, a que o país e os brasileiros precisam ser submetidos, já que adotamos o “american way of life”, e o transformamos em “brazilian way of life”.

A boa notícia, é que ultimamente ando notando um pequeno recrudescimento no número de lançamentos de edifícios neo-neo clássicos. As realizações da construtora Idea!Zarvos na Vila Madalena e a contratação de Daniel Libeskind pela JHSF parecem como lufadas de ar fresco no calor do deserto. Mas, a luz no fim do túnel ainda é muito fraca, e acho que tenho alguma noção do que vem por aí.

Há exatamente 25 anos atrás, fui encarregado do projeto do convite de formatura da minha turma do Mackenzie. Convenci a todos que antevia os caminhos da arquitetura, e consegui que aceitassem a reprodução de uma tela chamada 59 Eaton Place, de uma desconhecida arquiteta chamada Zaha Hadid, na capa do convite. Provo hoje estar certo........